Sem saber a quem recorrer em casos de assédio nas arquibancadas, torcedoras não denunciam crimes, que se tornam rotina sem estatística. Coletivos femininos cobram mais fiscalização e atendimento especializado.
Daniel Braune, Lucas Evangelista e Gabriel Queiroz
A violência contra a mulher acaba se tornando assunto recorrente em ambientes que elas passem a frequentar mais. Com o número de torcedoras cada vez maior nas arquibancadas dos estádios do futebol brasileiro, a violência e assédio contra a mulher também aumentam. No entanto, a falta de dados e registros é causa e consequências para um dos principais problemas sociais do país dentro de estádios. Algumas mulheres, por medo e desinformação, não registram os casos em que se sentiram ameaçadas.
– Uma vez eu estava ao lado do meu irmão, e do outro lado um cara desconhecido. Sempre fui muito simpática, o que é normal em estádios de futebol. Quando saiu o gol, abracei esse cara ao meu lado, e no decorrer do jogo, percebi que ele sempre queria se aproveitar. Quando gesticulava para torcer, sempre esbarrava o braço no meu corpo. No segundo gol, ele puxou a alça do meu sutiã. Só que como eu nunca sofri isso e nem esperava, não soube reagir. Eu troquei de lugar com o meu irmão, e ficou por isso mesmo. E nem reclamamos nada, porque sabíamos que não íamos ter assistência – conta a estudante Lara Menezes, torcedora do Fluminense.
Com predominância ainda masculina nos estádios de futebol, além dos recorrentes casos de abuso a mulheres, músicas e cânticos de cunho machista também são comuns.
– Existe uma música nojenta na torcida do Fluminense. Sempre que é cantada, algumas mulheres vaiam. Uma vez vaiei, e fui xingava de nomes mais obscenos pelos homens à minha volta. Não pude fazer mais nada – completou a torcedora, de 21 anos.

Esse e inúmeros casos de assédio comuns nas arquibancadas do Rio de Janeiro levam mulheres a criar frentes e coletivos para assistirem aos jogos juntas e demonstrarem certa resistência a esses problemas. Loucas Pelo Botafogo e Bravas 52, do Fluminense, são alguns movimentos de união de torcedoras mulheres nas arquibancadas e nas redes sociais. Mas a falta de priorização a esse tipo de violência nos estádios faz com que casos de violência a mulheres sejam cada vez maiores, mesmo com esses movimentos.
– Se você é assediada, você precisa fazer um boletim de ocorrência, em uma delegacia geral, onde o caso pode ser deixado de lado. Por isso não temos sequer números concretos para levantar a gravidade desse assunto. Isso não só deixa de resolver os problemas como também faz com que eles continuem, já que os registros são poucos – disse Julia Moreira, coordenadora do coletivo feminino Vascaínas Contra Assédio, um movimento de combate direto à violência contra mulheres nas arquibancadas.

– O correto era ter uma delegacia da mulher em cada estádio de futebol, para que o controle fosse melhor. Inclusive é uma das ideias que temos. É uma forma de concretizar isso, porque ainda é tudo muito ideal – completou.
Ela e outras dez colegas de arquibancada criaram um dos primeiros coletivos no Estado do Rio não só para unir mulheres nas torcidas, com o intuito forte de combate a esse tipo de crime. O Vascaínas Contra o Assédio surgiu em abril de 2018, depois de dois casos de assédio explícitos no próprio estádio de São Januário, sede do Vasco da Gama.

– O estopim aconteceu em dois casos. O primeiro foi uma repórter do Esporte Interativo, a Bruna Dealtry, quando um rapaz tentou roubar um beijo dela enquanto a menina estava ao vivo, em frente ao estádio, em um dia de jogo. Ela fazia a cobertura de Vasco e Universidad de Chile, em março deste ano. E o outro foi o caso da Sarah Borborema, assessora do Vasco, que foi vulgarizada por torcedores em um jogo sub-20 do Vasco, enquanto entrava em campo. Ela também faz parte da liderança do nosso movimento. Enfim, por terem sido acontecimentos graves e justamente em ambientes do próprio Vasco, e começamos a pensar em ações para combater isso – disse a vascaína de 21 anos.

O perfil das torcedoras no Instagram alcança quase 2 mil seguidores, e tem uma página no Facebook com 2.500 curtidas. O coletivo publica informações sobre encontros com debates e movimentos das mulheres que participam do coletivo. O perfil também divulga casos de assédio e agressão a mulheres em jogos de futebol, e produziram fotografias para uma campanha de alerta.

Essa união coletiva de mulheres nas arquibancadas tem dado não apenas mais suporte a quem é violentada ou assediada, mas também cria um ambiente seguro para mulheres frequentarem o ambiente futebolístico com menos medo. No entanto, Julia ainda destaca que os casos de assédio continuam, e que as sucessões desses casos acabam ficando largadas.
– Desde que criamos o movimento, as mulheres nos procuram não só para contar os casos de assédio, mas também para assistirmos aos jogos juntas, ficarmos mais unidas. O número de mulheres que viajam para fora do estado para acompanhar o Vasco também aumentou. A gente percebe que o movimento está estimulando a presença ainda maior da mulher na arquibancada.
Mesmo com algumas frentes femininas de combate a esse problema nas arquibancadas, a falta de denúncias concretas de alguns casos torna-se um empecilho para a resolução de problemas.

– Acho que há uma desinformação por parte das pessoas sobre o que devem fazer para resolver os problemas. Dentro do estádio, há o Jecrim (Juizado Especial Criminal), a Defensoria Pública, uma equipe do Ministério, uma equipe do Judiciário, além da Delegacia e sistemas de perícia. E tudo é resolvido até na hora, sem trâmites burocráticos, inclusive com penalizações mais graves para crimes contra mulheres – afirmou o Sargento Cássio Adriano, do Batalhão Especializado de Policiamento em Estádios.
De acordo com o membro da Polícia Militar, que é especializado em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica e assédio, o policiamento dos estádios do Rio de Janeiro é, hoje, o mais completo do país em termos de segurança, e que a desinformação sobre o que se deve fazer é um agravante para que problemas permaneçam ou até aumentem.
Na partida entre Botafogo e Paraná realizada dia 26 de novembro de 2018, no Estádio Nilton Santos, a equipe de reportagem verificou que todos os locais citados pelo sargento estavam abertos e disponíveis para denúncia. No entanto, apesar da afirmação de que há um controle interno das estatísticas de denúncias, esses números não estão expostos nos perfis e portais dos órgãos de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.